grayboy

26 de agosto de 2025

Estro meu

Aviva-te na poesia, oh menino cinza!

Só através dela torna-te vivo.

No ritmo delirante das ondas

Na plumagem selvagem do teu sentir


És poesia que grita por materializar-se

És febre queimando querendo sair

És constante sentimento velado

És reincidência em seu desvair


Aviva-te na poesia, oh menino cinza!

O amor espera-te após a prova divina

As cartas e os búzios hão de dizer

Que o estro de sua poesia mais linda

Espera ansiosamente por te ter.


- Fhelipe Viegas 


4 de janeiro de 2024

O dia que conheci o amor

Um dia eu o conheci, leve, viscoso
Sua textura sedosa lembrou-me pêssego 
Em pele e gosto, caldoso, atalcado
Era víscido sim, mas gostoso, deliciosamente molhado

Então eu o apresentei a você.
De soslaio, você faceou asco a ele
Rejeitou-o, relegou-o, não o quis conhecer.
Pobre do amor, recolheu-se, ultrajado, para dentro de mim.

Eu o abracei forte em nossa mútua solidão.
Disse, incisivo, a ele que não chorasse, que nao sofresse, pois era belo, puro, nobre, embora eu também chovesse.
Revelei-lhe que dele o meu melhor vinha
Que era ele o elixir da tinta que pintava mais linda minha vida.

Ele deu-me um sorriso tímido
Um sorriso que doía, um sorriso que sofria, 
Mas que, ainda assim, brilhava em sua melancolia. 
Ele - o amor - abraçou-me forte
Desta vez, seu abraço feria em mim
Uma dor oblíqua de solidão.
Eu o apertei mais forte para que 
Ele se sentisse completo comigo
Ele, silencioso, lançando-me seus olhos chuvosos,
Guardava em si uma forte emoção 
Da qual eu não tinha conhecimento

Mas hoje eu sei: ele doía em si, pois sabia que 
Haveria de partir com o tempo
Deixando-me aqui no triste insulamento 
De um dia tê-lo conhecido.

- Fhelipe Viegas

O dia que conheci o Amor


 

15 de abril de 2023

Quimérico lugar

Vi a vida perder a graça ao passo que os parquinhos perderam a sua
Inaugurei a perda quando senti,
Demasiadamente senti que você havia me perdido
Perdido do seu pensar
Pensar que Recife e Pureza eram um só lugar
Lugar quimérico onde o Capibaribe e o Paraíba do Sul se emendariam
Desaguando no mar de um exímio amor 
Que da dor é complacente
E do oblívio é fiel desertor

Mas se nem esse poema métrica tem,
cujas linhas traçaram-se por mim,
Haveria de ter uma história de amor
Ferida à distância do olvido de um amor carmim? 

Se nosso amor a ti foi quimérico 
Saibas que a mim lídimos foram seus contornos
Se o somaste a seu conjunto numérico
Saibas que te sacarei todos meus adornos

Desvelando-me um ébrio amante
Num amor errante que teme o temor
Que padece na prazente dor 
Do vão sentimento de amar o amor
Mas não o amante, 
Que o operacionaliza, 
Que o mistifica e o engabela nas mechas do amor
Um amor que é mar, vasto, vazio de sorte
Para no fim ver que tudo caminha tão somente para morte.



- Fhelipe Viegas 


19 de outubro de 2022

Jardim das Flores

O vento sopra no meu jardim
Há silêncio,  as hortênsias vibram na brisa
Sinto o aveludado perfume dos lírios
Que se soltam, que se desprendem
Mas que caem perto, um auspicioso acinte
Há silêncio sim, mas ouço 
Ouço o vento, o resvalar das pétalas das flores, Claire de lune
Espectros laranjas nesse crepuscular do dia
Trazem-me paz, trazem-me você num doce devaneio
Camélia vermelha, perfume novo
Começo então a euritmia em meio aos cravos
Cravos rosas e vermelhos, sorrisos
Danço para mim, esticando-lhe a mão 
Para que venha comigo dançar no meu jardim
Pois veja!  Se não vier, seguirei dançando 
Mas, se vier, minha dança será mais feliz
Dança livre, energeticamente entrelaçada
Você veio, o seu perfume consigo
Inibindo e ornamentando o cheiro das flores
Olhos nos olhos, beijo o céu, um sorriso
Um silêncio que diz tudo em silêncio.
Quero morar nesse devaneio de ter-te um par a dançar
Uma mão, nos passos mosaicos, a segurar
Uma memória que eternize a paz desse baile
A dança das flores que, livres, 
voam em câmera lenta no jardim que nasceu para amar.

- Fhelipe Viegas


16 de outubro de 2022

Libélulas das manhãs de domingo

Perdoe meus instintos impulsivos,
A latência de meu inflamado sentimento,
Sinto que o feri como quem espeta o dedo numa rosa 
Por isso uma nuvem cobre meu céu.
A doçura da energia emanada do seu existir
Trouxe-me um Éden quiecente
Inundado de libélulas que voam no silêncio das manhãs de domingo, 
O arrepio da brisa oriunda do mar,
O equilíbrio dos chakras, a bem-aventurança.
Toco agora no desconhecido arcano silêncio,
Que fadiga-me querendo ao menos o esboço do seu sentir
Porém tenho em mim, no desatino da vida,
A única certeza de saber que, após a tormenta,
Há de vir serena a calmaria a nos abraçar.
O incenso queima em Ganesha, e o deixo queimar.
Inspiro, expirou, espero.
Torno a molhar salgado o chão 
Com este rio que não hesita em sair de mim.
Perdoe-me!

- Fhelipe Viegas

5 de outubro de 2022

Plangore

Não precisa revelar-se 
nenhuma só gota ao olho
Para dele vir o pranto
Umedecer-se do lamento aplacável
Da lágrima de um amor
Desola mais que o evidenciar de um choro
Pena não conseguires ver-me
Pois sob esse invólucro felpudo estou
Sufocado no desatino de amar
Esse sentimento tão desprovido do cultivo teu
Nessas horas mortas percorro à beira-mar 
O trilho crebro de areias frias
Do ar gélido e nocivo à vida
Tens em mim a bonança de um amante
Tenho em ti no latíbulo de minh'alma
A beatitude de um amor que se faz
Mansidão e júbilo, inditoso e em cabal contento
Este rio corre plácido levando-me só
Eis então a inconcebível questão da vida
O amor jamais verá seu reflexo mutual, 
pois dele há de beber um só.

Mas sábio é o poeta que reconhece o lamento da dor mais doloroso que a própria dor. 

- Fhelipe Viegas 


6 de abril de 2022

Poema do Crepúsculo

Eu gosto de me apaixonar

Eu não gosto do amor

O amor é calmo; a paixão, turbulência

A paixão incendeia; o amor aplaca

Gosto do fervor da paixão

De suas loucuras descabidas

Insanidades da aurora

Das noites pensadas e maldormidas

O amor é calmaria; a paixão são as tensões

E as tensões me excitam

As paixões vêm e vão 

O amor sempre fica

O amor não se encontra em qualquer esquina

Não se esbarra no amor

A paixão não dá lugar a ele

Nem a nada senão a uma nova de si

O amor tão somente nasce do nascimento

Através de um ventre o amor nasce

Isso é o amor

O resto é isso: o resto

Mas só no crepúsculo terás noção disso.


- Fhelipe Viegas 


21 de março de 2022

Cântico Negro

“Vem por aqui” — dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: “vem por aqui”!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali…
A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha Mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos…
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: “vem por aqui!”?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí…
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis machados, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?…
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos…
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios…
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe.
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: “vem por aqui”!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou…
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
— Sei que não vou por aí!


- José Régio

6 de fevereiro de 2022

ULTRAVIOLÊNCIA

Eu sou fogo vivo a queimar

Quente, inflamado em chamas 

Estremeço o sol, esquento o magma

A soberania do inferno me reverencia

Cortejam-me as tórridas estrelas 

Pois para elas sou luz que reluz 

Abrasando o mais intenso calor

E de calor eu entendo, sou eu a própria calidez

Açafroado no soalheiro núcleo de WR-102

Sou quente demais, intenso demais

Belicoso demais quando tênue brasa vem oferecer-me seu calor 

Ora essa! Dou muito para receber tão pouco 

A ultraviolência no meu peito é energia latente no sentir

Se quiser me amar, supere meu calor 

Pois o propulsor do meu fervor borbulha nas chamas do mais intenso amor.


- Fhelipe Viegas 

4 de fevereiro de 2022

Desacostumado

Se eu tremer com seu beijo como o mar ressaqueado,
Perdoe-me, pois não estou acostumado a ser amado!
Se eu gemer com seu toque que me é tão alado,
Perdoe-me, pois não estou acostumado a ser amado!
Se eu não resistir a esse sentimento que se faz inflamado,
Perdoe-me, pois não estou acostumado a ser amado!
Se eu lhe deitar em um extenso verde gramado,
Perdoe-me, pois não estou acostumado a ser amado!
Se por vasto motivo me portar deslumbrado,
Perdoe-me, pois não estou acostumado a ser amado!
Se por choro de ciúme vier a ver-me tomado,
Perdoe-me, pois não estou acostumado a ser amado!
Se por medo de o perder meu coração se fizer acelerado, 
Perdoe-me, pois não estou acostumado a ser amado!
Se eu chorar quando não ouvir o meu chamado, 
Perdoe-me, pois não estou acostumado a ser amado!
Se por com outro estar conversando me vir triste, ensimesmado,
Perdoe-me, pois não estou acostumado a ser amado!
Se por um silêncio seu ao pranto me vir tomado,
Perdoe-me, pois não estou acostumado a ser amado!
Perpasse com os seus os meus lábios enamorados!
Peço-lhe tudo, menos que desse sentimento me deixe desacostumado. 

- Fhelipe Viegas 

26 de outubro de 2021

Húmido

Toda vez que a humidade se fizer presente em meus olhos quando eu o vir, é porque não o quero perder. Escrevo com h o húmido dos meus olhos, pois aportugueso-me só para lhe transparecer a intensidade dos meus sentimentos com uma letra a mais. Mas, se nada húmido houver em seus olhos ao me ver, eu hei de secar os meus, pois o amor é moeda de troca e não de esmola.


- Fhelipe Viegas 

11 de setembro de 2021

Pensamento atormentado

Por que queremos ter se sabemos que tudo caminha para o fim? Tudo caminha para acabar. É a mais pura ilusão capitalista ou o mais genuíno ímpeto da essência humana, a incompletude e a necessidade de ter, de possuir, de ser dono? Tomar conhecimento disso é uma evolução ou uma maldição? Por que queremos um amor se sabemos que ele acabará? Seja pelo término ou pela morte. Por que queremos bens materiais se sabemos que eles se deteriorarão com o tempo, se sabemos que tudo é momento? Tudo é um intervalo [fechado]. O tudo não é para sempre. Mas o nada também não? É por isso que seguimos? Por crermos que, quando esse tudo acaba, um outro tudo começa? O “para sempre” se dá nos ininterruptos intervalos? Não me deixe cair no abismo de saber que tudo é só isso, caminhando para o nada. Mas quem é o meu interlocutor? Ele também tem seu fim? E, se não o tem, por que nos tortura com essa verdade? Ou seria ele ingênuo ao pensar que nunca chegaríamos a ela? Ou demasiadamente sagaz ao ponto de querer que a ela cheguemos só para ver como lidamos com a maior das verdades? Tudo caminha para ser nada.

- Fhelipe Viegas


6 de maio de 2021

Alomorfia do eu

Se pusesse sua visão sobre mim hoje, não me veria!
A pele descamou, correu feroz pelo ralo, 
O cabelo é outro, até a voz é outra.
Não é mais o patcholi, a goiaba e o doce praliné,
É, sim, a pimenta negra quente como um dia fui.
A vida me atravessou, depositou-me poeira cósmica,
Dei um pouco de mim a ela também,
Eu não sou nem o resto do que fui,
E esse desassossego da matéria não respinga
Não toca, nem amarrota, quem dirá altera
O cerne do eu, sim, do eu alomórfico.
Mas é belo isso, você nunca mais me terá
Nós nunca nos teremos como ousamos desejar
Se diante de nós estivermos, não seremos nós.
Seremos outros, novos, entrecortados pelo tempo,
Amaldiçoados pela vida e gozados pelos etéreos.
Ainda sim, eu buscaria no âmago do seu eu
Um pouco do meu transato eu,
Dizendo que cansado o ama.
Contudo haveria um susto do eu tão díspar
Ao ver que a chama apaga, mas a brasa fica.
Até quando é a questão!
Se um novo fogo se incorporasse à brasa,
Far-se-ia fogo novo ou imporia, sobre a brasa,
O ardente ascenso de si mesma?
Isso o tempo há de me mostrar, não ao eu de agora
Mas ao que, pela alomorfia da vida, hei de me tornar.

- Fhelipe Viegas



15 de outubro de 2020

Cálice

Há sentimentos, sensações, emoções
Intangíveis ao nível das palavras
Seja pela ausência lexical
Seja pela limitada coragem
Fá-lo-ia senão fosse um poeta fracassado
A incerteza da recepção
Asila-me numa linguagem hermética
Subversiva aos mais audaciosos
Permuto-me na crença e descrença do Eu 
Ser-me-ia mais fácil abandonar tudo
Agarrar-me à mediocridade da vida
Mas isso me seria insuficiente
Peco e despeco no desejo de agradar 
Sei da brecha que há na autoconfiança
Contudo a impotência se faz diante dela
Decido, por fim, habitar na insensibilidade
Fazendo do outro o dispensável
Inundo o cálice do conteúdo que sou
Não ofereço a mais ninguém senão a mim
Provo e gosto, isso me é suficiente. 


- Fhelipe Viegas

10 de outubro de 2020

Bom dia, tristeza!

Às vezes ela apenas vem
Sem anunciar ou insinuar sua chegada
Ela, a tristeza, senta-se ao meu lado
Serve-me um trago de seu plasma
Procura, em meu olhar, seu reflexo
Nada diz sobre a razão de se estar
É intrusa, e peleja fazer-se minha
Às vezes, sorrir, às vezes, chora
Um choro que, às vezes, creio belo
Em horas-mortas, bebe do licor que sou
Gosto de ser sua maior obsessão
Gosto do bálsamo que diz ter
Talvez ela é apenas imaginação
Talvez ela é tão somente minha
Mas, por nada dizer, acostumo-me a tê-la
Tê-la como minha fiel amiga

- Fhelipe Viegas

11 de julho de 2020

Amor colérico

Não te surpreendas, se, por acaso, eu vier a matar-te,
Não te precipites a pensar que de amor não padeci,
Pois deste-me um amor ardente em cólera
Mesmo sendo tu o prana do meu amor em frenesi.

Viveste na boêmia dos bares da Aurora,
Procuraste luxúria até onde pudeste resistir,
Testando o quão magnânimo é o meu amor,
Disseram-me, até, que outro te puseste a sentir.

Tencionando atenuar a acidez do nosso estupor,
Quais outras desculpas, a mim, hão de vir?
Para encobertar, outra vez, teu nada intrépido amor,
Quais mentiras, engenhosamente, te porás a urdir?
Quais?


- Fhelipe Viegas

1 de julho de 2020

Um amor em quarentena


A Medina acorda com primeiro chamado
Ao longe, meus oníricos olhos a veem brilhar
Curvam-se, em todo o globo, à grande pedra
Até a grama escala o deserto para ouvi-la cantar

Unem-se as aves num canto uníssono e vibrante

A libélula dos montes respira o ar do novo dia
Não lhe foge a pasmaceira do etílico homem errante
Nem mesmo os silfos escapam da beleza que irradia

A vida nasce outra vez com o dormir da noite

A luz solar tateia o que, por hora, não posso
Todo esse meu amor que eu o também amoite
Todo esse meu estupor que eu tire do que é nosso

Cresce, lá fora, a vida esperando que eu esteja pronto

Ingênua, a pensar que disso não sobrará sequela
Só o prana não se encerra com o fim de um ponto
Pois tudo isso contarei que, triste, vi de uma janela.

O nosso amor, há muito, em quarentena. 


- Fhelipe Viegas


22 de abril de 2020

O destino da estrela

As infindáveis estrelas que hoje brilham
Podem, há muito, ter morrido
Morrido de amor ou de uma súbita catarse
A de reconhecer seu frívolo destino
Seu brilho, as tuas mensagens,
Ainda se fazem presentes
Na retina cuja cisma
anseia o viço da matéria emitente

Eu ainda estou presente em ti?
No teu céu, quando vês a lua;
Nas tuas lembranças, quando pensas em mim;
Nos teus textos, quando escreves;
Na tua cama, com Napoleão;
Na Lana, quando a escutas;
Eu ainda estou presente em ti?

- Fhelipe Viegas

26 de março de 2020

Amor juvenil

Abri os olhos arenosos na profusão do sono
Repelindo a languidez da última modorra 
Estavas tu a olhar-me diante da porta
Redigindo com os lábios nossa masmorra 

Quiseste ver-me sobre o leito que me suporta
Tecendo um lamento outrora sutil
Disseste que, no peito, amor tu portas
Mesmo que este me parece hoje senil  

Juraste dar-me o amor que o tempo corta
Banhá-lo em puro formal e em pó anil
E o nosso amor durar como o de Inês morta
Todavia, ao final, o passei por um funil

Disto me veio a verdade do teu amor
Da ínfima e irresoluta substância juvenil
Cujo fetiche resume-se em forte dissabor
Pois felicidade não se busca quem nunca amor sentiu 

- Fhelipe Viegas

6 de janeiro de 2020

Exumação

Miasmou-me teu cheiro
Putrefato, fétido e nocivo
De ti, sobrou apenas o cabelo
Que outrora me era lascivo

Como pensar em rica rima
Diante deste saco, um ossário
Como assimilar este cálcio
Sendo tão teu animal gregário

Como ignorar o sorriso perpétuo
Que tiveram cetinosos lábios
Como olvidar a jura de amor eterno
Antes dita inabalável pelos sábios

A voragem de tua morte me é inverno
Sugou-me o verão e primavera
Dou-lhe agora meu beijo consterno
Pois tua exumação me exuma
Também nosso amor "eterno".


-Fhelipe Viegas 

24 de dezembro de 2019

Por quê?

No sono da cidade, minha insônia
Um errante pelas ruas gélidas da madrugada
O silêncio lascivo que me obriga a buscar
Buscar a boêmia dos prazeres
Das bagas caldosas da volúpia
Das tentações noturnas
Do olhar voluptuoso da jovem guarda
Tempos ruins esses
Que tua rejeição me fez passar
Grossas lágrimas caem de mim e do céu
Mas agora devo tombar mais um gole seco para se fazer molhar
Pois provérbios 31: 6-7 está aqui
para você e para mim
Deus compreende perfeita e piedosamente o epicurismo instalado em nós .
É você o culpado dos meus lábios convulsos
umedecidos pelo mar morto derramado pelas lacrimais em soluços
Foi você. É você. Sempre será você
o cais no deserto que se esvai ao aqui tentá-lo ter.
Mas por quê?


-
Fhelipe Viegas

7 de julho de 2019

Mais Grande

O mundo é tão mais grande,
os sonhos são tão mais grandes,
a vida é tão mais grande,
quando se é criança.

O espelho apresentou hoje o que eu mais temera:
os conflitos, as responsabilidades,
os complexos, as nostalgias...

Personificam-se diante de mim
lamentos do não dito e do não feito
tecendo as martelações do "se".

Pudera eu ter nascido adulto 
para não ter de provar do paraíso?
Seria melhor assim!

Eu não saberia da grandeza de um singelo presente,
Eu não conheceria a mágica dos parques de diversão,
Eu não experimentaria a dor de esperar a hora da saída 
para ver minha mãe a buscar-me,
Quem dirá a dor ardida de um joelho ralado.

Eu não provaria das extensões prolongadas de Cronos,
Eu não gozaria do leite queimado, da sopa caldosa, do tylenol em gotas,
Quem dirá da doçura calorosa de horas em colo.
Seria melhor assim!
Não ter de provar do paraíso.

Hoje lamento dizer que 
o mundo era tão maior,
os sonhos eram tão maiores,
a vida era tão maior,
agora que sou um homem grande.

- fhelipe viegas

19 de junho de 2019

Uma tentativa fracassada de conceituar o amor

Onde está o chão que não sob meus pés?
De repente descobre-se o amor...
Não esse bradado por Casimiro ou Álvares,
mas um que corre nas veias tão quente e vívido como o sol.
Está agora resignificado tudo que soube sobre amor.
Imagina que um dia ousei dizer 

que amei indelevelmente antes de conhecer-te.
Agora, sim, sei o que é esse sentimento 

o qual transcende nossa compreensão pragmática e metafísica.
Agora que estás aqui posso sentir-me vivo, 
tenho agora uma razão para isso.
A melhor razão para alguém querer viver 
sob as asas de um sentimento tão límpido e pleno.
Agora que estás aqui sei o porquê

das imaginações de John lennon...
Agora desejo coescrever cada

segundo da vida, não por solidão,
mas por sentir-te parte de mim. 
E o é.
Agora que estás aqui sobre meus braços, 

encontro, neste instante, não a conceituação, 
mas o efetivo amor verdadeiro, irmã

-Fhelipe Viegas



25 de dezembro de 2018

Nossa Volúpia

Não me olhe com essa constelação 
Não fique à espreita da fronteira
Mas, sim, toque meus dedos 
Contorne as linhas do medo e as atravesse
Ornamentados olhos castanhosos
Pouse sua mão sobre minha alma
Em uma experiência tátil 
Nebline-me com sua poeira cósmica
E tome caminho dos meus beijos 
Não se atormente, menino meu
Há passado muito tempo atônico
Em busca do meu céu
Percorra-me agora que pode
Tire a seda que, em minha pele, cumpre seu papel 
Não tema tocar-me e provar-me
O futuro do pretérito agora é seu presente
E como futuro temos uma certeza
Retonarmos ao cosmo em pó
Tome posse do que é seu
As estrelas pulsam latentes pela espera
Nebulosas ardem em anceio
O espaço inteiro deseja ver-nos 
fundidos em um só.
Vamos! Dê-me a mão!
Falta pouco para chegarmos 
Até o fim do universo
Uma noite inteira.
O ar arrasta.
Ah, há ar!
Ah, o ar!
E então, volúpia!

-Fhelipe viegas

10 de janeiro de 2018

Na floresta

Na floresta não existe nem rebanho, nem pastor
Quando o inverno caminha, segue seu distinto curso como faz a primavera
Os homens nasceram escravos daquele que repudia a submissão
Se ele um dia se levanta, lhes indica o caminho, com ele caminharão
Dá-me a flauta e canta!
O canto é o pasto das mentes
E o lamento da flauta perdura mais que rebanho e pastor

Na floresta não existe ignorante ou sábio
Quando os ramos se agitam, a ninguém reverenciam
O saber humano é ilusório como a cerração dos campos
que se esvai quando o sol se levanta no horizonte
Dá-me a flauta e canta!
O canto é o melhor saber,
e o lamento da flauta sobrevive ao cintilar das estrelas

Na floresta só existe lembrança dos amorosos
Os que dominaram o mundo e oprimiram e conquistaram,
seus nomes são como letras dos nomes dos criminosos
Conquistador entre nós é aquele que sabe amar
Dá-me a flauta e canta!
E esquece a injustiça do opressor
Pois o lírio é uma taça para o orvalho e não para o sangue.

Na floresta não há crítico nem sensor
Se as gazelas se perturbam quando avistam companheiro,
a águia não diz: 'Que estranho'
Sábio entre nós é aquele que julga estranho apenas o que é estranho
Ah, dá-me a flauta e canta!
O canto é a melhor loucura e o lamento da flauta

sobrevive aos ponderados e aos racionais.

Na floresta não existem homens livres ou escravos
Todas as glórias são vãs como borbulhas na água
Quando a amendoeira lança suas flores sobre o espinheiro,
não diz: 'Ele é desprezível e eu sou um grande senhor'
Dá-me a flauta e canta!
Que o canto é glória autêntica e

o lamento da flauta sobrevive ao nobre e ao vil.

Na floresta não existe fortaleza ou fragilidade
Quando o leão ruge não dizem: 'Ele é temível'
A vontade humana é apenas uma sombra que vagueia no espaço
do pensamento e o direito dos homens fenece como folhas de outono
Dá-me a flauta e canta!
O canto é a força do espírito e

o lamento da flauta sobrevive ao apagamento dos sóis.

Na floresta não há morte nem apuros
A alegria não morre quando se vai a primavera
O pavor da morte é uma quimera que se insinua no coração
Pois quem vive uma primavera é como se houvesse vivido séculos
Dá-me a flauta e canta!
O canto é o segredo da vida eterna e

o lamento da flauta permanecerá após findar-se a existência.

- Khalil Gibran

5 de janeiro de 2018

A casa

Começo por tatear os arrepiados pelos
que desfrutam da fragrância emergida
sob uma grama nascida em um luar.
Por você eclodem alegorias platônicas
que do frívolo borrado emerge importância
e minha pele oleosa se põe a secar.
Eis aqui o seu trovador amado,
sob existência inane, hoje se faz
em cantigas de amor  pondo-se a chorar.
Olhe como tudo hoje caricia de nós dois,
olhe como os pássaros pulverizam o jardim
com gotículas de saudade,
impregnando tudo por onde cai.
Olhe o jardim caído  em marrom
entre o outono que se instala na primavera,
aqui estou sob minha velha árvore,
não mais em devaneio, mas em ferida razão.
Há nuvens lá em cima atravessadas por sol.
Há feridas aqui embaixo atravessadas por ti.
E lá? O que há lá dentro da casa que habitas?
Ouvi dizer que as poeiras foram aspiradas
e que as emolduradas fotos cintilam renovadas.
Ouvi dizer que a lasca da madeira,
antes ferida, hoje se põe consertada,
e que a nova tinta fresca exala sua nova fragrância
desde a branca blusa até a sua sacada.
A súbita ambientação transfundida
transformou nossos poemas de amor
em sátiras absortas em escárnio
que hoje tu declamas em deleite 
nos cômodos vívidos de sua casa.

- Fhelipe viegas

4 de dezembro de 2017

Entardece

Entardece dentro de mim.
As nuvens queimam no horizonte,
assim como minha alma
chora pelo o que um dia eu fui.
O céu está se fechando 
como as cortinas da minha vida.
A noite flameja em cinzas
cobrindo meus olhos com o ardor
do passado e da incompreensão.
A frieza alheia queima meu equilíbrio
trazendo nisso um reprimido eu
que peleja para não se deixar esquecer.
Momentos felizes não são capazes
de tomar lugar da escondida tristeza
que se exibe exuberante na solidão,
solidão essa que, às vezes, se atreve
fugazmente fazer-me companhia
quando envolto de tantos estou.
Chora Marília feliz de tua existência!
canta sua vida em dias claros!
Isolada de insólitos momentos es tu.
Aclama teu encontro em ti mesma!
Reluzente é tua alma,
que por todos brilha,
que para todos brilha.
Marília tu não es Marília,
e Dirceu grita por ti.
Marília tu não es outro alguém,
Sou eu mesmo amando um idealizado eu que perdi.
Até quando a noite cobrirá meu céu?
Até quando serei Dirceu 
Sonhando em ter Marília
Em mim?

- Fhelipe Viegas

2 de setembro de 2017

PRELÚDIO

Corra! Pule pelos adágios azuis,
segure as cordas que despencam do céu,
ouça o silêncio do jardim em seu crepúsculo,
mas não olhe para trás.
Siga em frente à beira do mar,
se use de sua sensibilidade
para ver o que há depois do cosmo,
mas não para o que precede o amor.
Seja forte, bravo taurino
neblinado por quarenta noites de prelúdio,
siga a mirar o escopo da sua kundaline.
Venha! Agora que não teme tocar o vazio,
se encha de si, se cubra de sol,
expurgue-se com sua branca alma,
e jogue fora o que lhe foi ilusório.
Desnude-se, oh anjo solar, da noite
e mergulhe no sereno leito de manitú.
Venha! Ressuscite dos mortos,
seja o novo Deus em seu novo prana.
Habite Shamballa com sua luminosa alma,
perceba que as cores brotam de ti.
Ponha sobre a Terra o início de uma nova era
e acenda em todos sua metafísica.
Contemple-se, oh novo Deus,
na maravilhosa sinfonia da vida.

Fhe inveniet Fhe!

- Fhelipe Viegas