grayboy

19 de outubro de 2022

Jardim das Flores

O vento sopra no meu jardim
Há silêncio,  as hortênsias vibram na brisa
Sinto o aveludado perfume dos lírios
Que se soltam, que se desprendem
Mas que caem perto, um auspicioso acinte
Há silêncio sim, mas ouço 
Ouço o vento, o resvalar das pétalas das flores, Claire de lune
Espectros laranjas nesse crepuscular do dia
Trazem-me paz, trazem-me você num doce devaneio
Camélia vermelha, perfume novo
Começo então a euritmia em meio aos cravos
Cravos rosas e vermelhos, sorrisos
Danço para mim, esticando-lhe a mão 
Para que venha comigo dançar no meu jardim
Pois veja!  Se não vier, seguirei dançando 
Mas, se vier, minha dança será mais feliz
Dança livre, energeticamente entrelaçada
Você veio, o seu perfume consigo
Inibindo e ornamentando o cheiro das flores
Olhos nos olhos, beijo o céu, um sorriso
Um silêncio que diz tudo em silêncio.
Quero morar nesse devaneio de ter-te um par a dançar
Uma mão, nos passos mosaicos, a segurar
Uma memória que eternize a paz desse baile
A dança das flores que, livres, 
voam em câmera lenta no jardim que nasceu para amar.

- Fhelipe Viegas


16 de outubro de 2022

Libélulas das manhãs de domingo

Perdoe meus instintos impulsivos,
A latência de meu inflamado sentimento,
Sinto que o feri como quem espeta o dedo numa rosa 
Por isso uma nuvem cobre meu céu.
A doçura da energia emanada do seu existir
Trouxe-me um Éden quiecente
Inundado de libélulas que voam no silêncio das manhãs de domingo, 
O arrepio da brisa oriunda do mar,
O equilíbrio dos chakras, a bem-aventurança.
Toco agora no desconhecido arcano silêncio,
Que fadiga-me querendo ao menos o esboço do seu sentir
Porém tenho em mim, no desatino da vida,
A única certeza de saber que, após a tormenta,
Há de vir serena a calmaria a nos abraçar.
O incenso queima em Ganesha, e o deixo queimar.
Inspiro, expirou, espero.
Torno a molhar salgado o chão 
Com este rio que não hesita em sair de mim.
Perdoe-me!

- Fhelipe Viegas

5 de outubro de 2022

Plangore

Não precisa revelar-se 
nenhuma só gota ao olho
Para dele vir o pranto
Umedecer-se do lamento aplacável
Da lágrima de um amor
Desola mais que o evidenciar de um choro
Pena não conseguires ver-me
Pois sob esse invólucro felpudo estou
Sufocado no desatino de amar
Esse sentimento tão desprovido do cultivo teu
Nessas horas mortas percorro à beira-mar 
O trilho crebro de areias frias
Do ar gélido e nocivo à vida
Tens em mim a bonança de um amante
Tenho em ti no latíbulo de minh'alma
A beatitude de um amor que se faz
Mansidão e júbilo, inditoso e em cabal contento
Este rio corre plácido levando-me só
Eis então a inconcebível questão da vida
O amor jamais verá seu reflexo mutual, 
pois dele há de beber um só.

Mas sábio é o poeta que reconhece o lamento da dor mais doloroso que a própria dor. 

- Fhelipe Viegas 


6 de abril de 2022

Poema do Crepúsculo

Eu gosto de me apaixonar

Eu não gosto do amor

O amor é calmo; a paixão, turbulência

A paixão incendeia; o amor aplaca

Gosto do fervor da paixão

De suas loucuras descabidas

Insanidades da aurora

Das noites pensadas e maldormidas

O amor é calmaria; a paixão são as tensões

E as tensões me excitam

As paixões vêm e vão 

O amor sempre fica

O amor não se encontra em qualquer esquina

Não se esbarra no amor

A paixão não dá lugar a ele

Nem a nada senão a uma nova de si

O amor tão somente nasce do nascimento

Através de um ventre o amor nasce

Isso é o amor

O resto é isso: o resto

Mas só no crepúsculo terás noção disso.


- Fhelipe Viegas 


21 de março de 2022

Cântico Negro

“Vem por aqui” — dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: “vem por aqui”!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali…
A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha Mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos…
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: “vem por aqui!”?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí…
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis machados, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?…
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos…
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios…
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe.
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: “vem por aqui”!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou…
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
— Sei que não vou por aí!


- José Régio

6 de fevereiro de 2022

ULTRAVIOLÊNCIA

Eu sou fogo vivo a queimar

Quente, inflamado em chamas 

Estremeço o sol, esquento o magma

A soberania do inferno me reverencia

Cortejam-me as tórridas estrelas 

Pois para elas sou luz que reluz 

Abrasando o mais intenso calor

E de calor eu entendo, sou eu a própria calidez

Açafroado no soalheiro núcleo de WR-102

Sou quente demais, intenso demais

Belicoso demais quando tênue brasa vem oferecer-me seu calor 

Ora essa! Dou muito para receber tão pouco 

A ultraviolência no meu peito é energia latente no sentir

Se quiser me amar, supere meu calor 

Pois o propulsor do meu fervor borbulha nas chamas do mais intenso amor.


- Fhelipe Viegas 

4 de fevereiro de 2022

Desacostumado

Se eu tremer com seu beijo como o mar ressaqueado,
Perdoe-me, pois não estou acostumado a ser amado!
Se eu gemer com seu toque que me é tão alado,
Perdoe-me, pois não estou acostumado a ser amado!
Se eu não resistir a esse sentimento que se faz inflamado,
Perdoe-me, pois não estou acostumado a ser amado!
Se eu lhe deitar em um extenso verde gramado,
Perdoe-me, pois não estou acostumado a ser amado!
Se por vasto motivo me portar deslumbrado,
Perdoe-me, pois não estou acostumado a ser amado!
Se por choro de ciúme vier a ver-me tomado,
Perdoe-me, pois não estou acostumado a ser amado!
Se por medo de o perder meu coração se fizer acelerado, 
Perdoe-me, pois não estou acostumado a ser amado!
Se eu chorar quando não ouvir o meu chamado, 
Perdoe-me, pois não estou acostumado a ser amado!
Se por com outro estar conversando me vir triste, ensimesmado,
Perdoe-me, pois não estou acostumado a ser amado!
Se por um silêncio seu ao pranto me vir tomado,
Perdoe-me, pois não estou acostumado a ser amado!
Perpasse com os seus os meus lábios enamorados!
Peço-lhe tudo, menos que desse sentimento me deixe desacostumado. 

- Fhelipe Viegas