grayboy

10 de janeiro de 2018

Na floresta

Na floresta não existe nem rebanho, nem pastor
Quando o inverno caminha, segue seu distinto curso como faz a primavera
Os homens nasceram escravos daquele que repudia a submissão
Se ele um dia se levanta, lhes indica o caminho, com ele caminharão
Dá-me a flauta e canta!
O canto é o pasto das mentes
E o lamento da flauta perdura mais que rebanho e pastor

Na floresta não existe ignorante ou sábio
Quando os ramos se agitam, a ninguém reverenciam
O saber humano é ilusório como a cerração dos campos
que se esvai quando o sol se levanta no horizonte
Dá-me a flauta e canta!
O canto é o melhor saber,
e o lamento da flauta sobrevive ao cintilar das estrelas

Na floresta só existe lembrança dos amorosos
Os que dominaram o mundo e oprimiram e conquistaram,
seus nomes são como letras dos nomes dos criminosos
Conquistador entre nós é aquele que sabe amar
Dá-me a flauta e canta!
E esquece a injustiça do opressor
Pois o lírio é uma taça para o orvalho e não para o sangue.

Na floresta não há crítico nem sensor
Se as gazelas se perturbam quando avistam companheiro,
a águia não diz: 'Que estranho'
Sábio entre nós é aquele que julga estranho apenas o que é estranho
Ah, dá-me a flauta e canta!
O canto é a melhor loucura e o lamento da flauta

sobrevive aos ponderados e aos racionais.

Na floresta não existem homens livres ou escravos
Todas as glórias são vãs como borbulhas na água
Quando a amendoeira lança suas flores sobre o espinheiro,
não diz: 'Ele é desprezível e eu sou um grande senhor'
Dá-me a flauta e canta!
Que o canto é glória autêntica e

o lamento da flauta sobrevive ao nobre e ao vil.

Na floresta não existe fortaleza ou fragilidade
Quando o leão ruge não dizem: 'Ele é temível'
A vontade humana é apenas uma sombra que vagueia no espaço
do pensamento e o direito dos homens fenece como folhas de outono
Dá-me a flauta e canta!
O canto é a força do espírito e

o lamento da flauta sobrevive ao apagamento dos sóis.

Na floresta não há morte nem apuros
A alegria não morre quando se vai a primavera
O pavor da morte é uma quimera que se insinua no coração
Pois quem vive uma primavera é como se houvesse vivido séculos
Dá-me a flauta e canta!
O canto é o segredo da vida eterna e

o lamento da flauta permanecerá após findar-se a existência.

- Khalil Gibran

5 de janeiro de 2018

A casa

Começo por tatear os arrepiados pelos
que desfrutam da fragrância emergida
sob uma grama nascida em um luar.
Por você eclodem alegorias platônicas
que do frívolo borrado emerge importância
e minha pele oleosa se põe a secar.
Eis aqui o seu trovador amado,
sob existência inane, hoje se faz
em cantigas de amor  pondo-se a chorar.
Olhe como tudo hoje caricia de nós dois,
olhe como os pássaros pulverizam o jardim
com gotículas de saudade,
impregnando tudo por onde cai.
Olhe o jardim caído  em marrom
entre o outono que se instala na primavera,
aqui estou sob minha velha árvore,
não mais em devaneio, mas em ferida razão.
Há nuvens lá em cima atravessadas por sol.
Há feridas aqui embaixo atravessadas por ti.
E lá? O que há lá dentro da casa que habitas?
Ouvi dizer que as poeiras foram aspiradas
e que as emolduradas fotos cintilam renovadas.
Ouvi dizer que a lasca da madeira,
antes ferida, hoje se põe consertada,
e que a nova tinta fresca exala sua nova fragrância
desde a branca blusa até a sua sacada.
A súbita ambientação transfundida
transformou nossos poemas de amor
em sátiras absortas em escárnio
que hoje tu declamas em deleite 
nos cômodos vívidos de sua casa.

- Fhelipe viegas