grayboy

6 de maio de 2021

Alomorfia do eu

Se pusesse sua visão sobre mim hoje, não me veria!
A pele descamou, correu feroz pelo ralo, 
O cabelo é outro, até a voz é outra.
Não é mais o patcholi, a goiaba e o doce praliné,
É, sim, a pimenta negra quente como um dia fui.
A vida me atravessou, depositou-me poeira cósmica,
Dei um pouco de mim a ela também,
Eu não sou nem o resto do que fui,
E esse desassossego da matéria não respinga
Não toca, nem amarrota, quem dirá altera
O cerne do eu, sim, do eu alomórfico.
Mas é belo isso, você nunca mais me terá
Nós nunca nos teremos como ousamos desejar
Se diante de nós estivermos, não seremos nós.
Seremos outros, novos, entrecortados pelo tempo,
Amaldiçoados pela vida e gozados pelos etéreos.
Ainda sim, eu buscaria no âmago do seu eu
Um pouco do meu transato eu,
Dizendo que cansado o ama.
Contudo haveria um susto do eu tão díspar
Ao ver que a chama apaga, mas a brasa fica.
Até quando é a questão!
Se um novo fogo se incorporasse à brasa,
Far-se-ia fogo novo ou imporia, sobre a brasa,
O ardente ascenso de si mesma?
Isso o tempo há de me mostrar, não ao eu de agora
Mas ao que, pela alomorfia da vida, hei de me tornar.

- Fhelipe Viegas