grayboy

26 de outubro de 2021

Húmido

Toda vez que a humidade se fizer presente em meus olhos quando eu o vir, é porque não o quero perder. Escrevo com h o húmido dos meus olhos, pois aportugueso-me só para lhe transparecer a intensidade dos meus sentimentos com uma letra a mais. Mas, se nada húmido houver em seus olhos ao me ver, eu hei de secar os meus, pois o amor é moeda de troca e não de esmola.


- Fhelipe Viegas 

11 de setembro de 2021

Pensamento atormentado

Por que queremos ter se sabemos que tudo caminha para o fim? Tudo caminha para acabar. É a mais pura ilusão capitalista ou o mais genuíno ímpeto da essência humana, a incompletude e a necessidade de ter, de possuir, de ser dono? Tomar conhecimento disso é uma evolução ou uma maldição? Por que queremos um amor se sabemos que ele acabará? Seja pelo término ou pela morte. Por que queremos bens materiais se sabemos que eles se deteriorarão com o tempo, se sabemos que tudo é momento? Tudo é um intervalo [fechado]. O tudo não é para sempre. Mas o nada também não? É por isso que seguimos? Por crermos que, quando esse tudo acaba, um outro tudo começa? O “para sempre” se dá nos ininterruptos intervalos? Não me deixe cair no abismo de saber que tudo é só isso, caminhando para o nada. Mas quem é o meu interlocutor? Ele também tem seu fim? E, se não o tem, por que nos tortura com essa verdade? Ou seria ele ingênuo ao pensar que nunca chegaríamos a ela? Ou demasiadamente sagaz ao ponto de querer que a ela cheguemos só para ver como lidamos com a maior das verdades? Tudo caminha para ser nada.

- Fhelipe Viegas


6 de maio de 2021

Alomorfia do eu

Se pusesse sua visão sobre mim hoje, não me veria!
A pele descamou, correu feroz pelo ralo, 
O cabelo é outro, até a voz é outra.
Não é mais o patcholi, a goiaba e o doce praliné,
É, sim, a pimenta negra quente como um dia fui.
A vida me atravessou, depositou-me poeira cósmica,
Dei um pouco de mim a ela também,
Eu não sou nem o resto do que fui,
E esse desassossego da matéria não respinga
Não toca, nem amarrota, quem dirá altera
O cerne do eu, sim, do eu alomórfico.
Mas é belo isso, você nunca mais me terá
Nós nunca nos teremos como ousamos desejar
Se diante de nós estivermos, não seremos nós.
Seremos outros, novos, entrecortados pelo tempo,
Amaldiçoados pela vida e gozados pelos etéreos.
Ainda sim, eu buscaria no âmago do seu eu
Um pouco do meu transato eu,
Dizendo que cansado o ama.
Contudo haveria um susto do eu tão díspar
Ao ver que a chama apaga, mas a brasa fica.
Até quando é a questão!
Se um novo fogo se incorporasse à brasa,
Far-se-ia fogo novo ou imporia, sobre a brasa,
O ardente ascenso de si mesma?
Isso o tempo há de me mostrar, não ao eu de agora
Mas ao que, pela alomorfia da vida, hei de me tornar.

- Fhelipe Viegas